terça-feira, 29 de novembro de 2011

Propósitos

O propósito de Deus se esconde em nossos despropósitos, naquela despropositada queda ou naquela escolha feita por inadvertência. Caminhos incertos certos feitos direitos por uma vontade alheia e diferente daquela que nos moveu o primeiro passo. O propósito de Deus se esconde em nossos despropósitos, motivos outrora claros escurecidos e assim tornados duvidosos e aparentemente despropositados e vagos. Que nosso desproposito e nossa inadvertência foram providenciais e oportunos naquele tempo em outros tempos de pensamentos diferentes e horizonte mais estreito nós jamais o poderíamos saber naquele tempo num momento ou num instante como se mágica fosse ou sabedoria instantânea inventada de improviso. O propósito de Deus se esconde em nossos despropósitos e em nossos dissabores ou enganos ou escolhas que naquele tempo pareciam acertadas e precisas e acordes com o propósito de Deus que vislumbrávamos naquele tempo tão certo e tão bonito. É que nossos desejos nos enganam e nos iludem se os cremos sempre certos e oportunos para qualquer tempo que vivemos como naquele tempo em que as escolhas que fizemos se apoiaram nos desejos que pareciam tão precisos quanto bonitos pareciam aos nossos olhos entorpecidos - isto nós não víamos - pelas belezas passageiras que eternas pareciam num momento de encanto e de propósitos bem resolvidos, despropositados. Porque o propósito de Deus se esconde em nossos despropósitos, naquela despropositada queda ou naquela escolha feita por inadvertência. Pensamos rápido e escolhemos rápido sem saber demorar e esperar o momento certo e propositado que Deus mesmo preparou. Falamos muito e sequer pontuamos os pensamentos que criamos cultivando aquela imagem de beleza que se nos gravou na memória já há muito tempo. Assim o nosso despropósito enganoso esconde em si um propósito melhor, vontade de Deus que torna certos os caminhos duvidosos, que pontua e torna lentos claros nossos pensamentos, calmos nossos sentimentos, precisas nossas decisões, certas as aparentemente incertas. Assim vemos por uma fé mais precisa que a clara visão, encontramos Deus nos nossos despropositados acertos, feitos da confiança no propósito de Deus.

Onde costumamos ver despropósitos, Deus vê confiança, oportunidade de nos encontrar desprevenidos, distraídos e nos tomar para si. Por isso rezo e assim creio: "Senhor, tu abusaste de minha ingenuidade, sim, eu fui bem ingênuo; usaste de força comigo e alcançaste teu objetivo. Quando digo: 'Não vou mais tocar no assunto, não falarei mais em teu nome', a palavra então se transforma num fogo que me devora por dentro, encerrado em meu corpo; tento contê-lo, mas não consigo." (cf. Jr 20, 7ab.9)

domingo, 27 de novembro de 2011

Minha obra

Não escrevo mais procurando rimas como fazia outrora, eu e meus colegas, quando o professor o pedia em aula de literatura. Causava-me pavor a obrigatoriedade dos sons repetidos, tão repetidos, muito repetidos, especializavam-nos em rimas pobres e disso colhemos os frutos em tantas pretensas poesias que por aí rimam e por isso alguém quis chamá-las de poesias. Não escrevo procurando rimas, mesmo se faço poesia e em alguma delas há sons que se combinam e palavras consoantes. Não procuro rimas, procuro significados em formas que se gravam na memória, em períodos rápidos, rítmicos, compassados, porém obstruídos, às vezes, por algum elemento que desfaz a fluidez da leitura, pedra que ali decido colocar. Construo assim minha obra, intuitivamente, pensando a forma e o passo, o compasso e o tempo, textos formados de jeito espontâneo, porém de pensamento reticente sobre sua própria produção.

Meus pensamentos se fazem em palavras, escritos descritos feitos refeitos desfeitos e faço-me assim, conheço-me deixando que saia de mim o que quero, que sinto-senti, o que pensei e agora penso, escrevo. Confuso às vezes pareço, mas sem culpa, apenas sou livre como sei sê-lo. Não marco o que digo com expressões que sejam as mais populares ou fáceis, as palavras fáceis nem sempre são coerentes com o que deve ser dito, é vaso por vezes pequeno que nem tudo pode conter. Eu, no entanto, alguma vez escolho o vaso pequeno e digo pouco, fragmento do todo que quero penso desejo e o deixo à mesa para quem quiser se servir do que tenho e me desfaço de um pouco de mim para cobrir com virtude que tenho um alheio defeito e deixo espaço para que uma virtude qualquer que vejo num outro os meus defeitos venha cobrir também e lhes tomar o lugar.

Não escrevo procurando sons que combinam, mas pensamentos que sejam consoantes conflitantes aliados inimigos que mutuamente se completam e sejam uma pouco rasa expressão de mim mesmo, poesia que seja rima em outra ordem e não combinações contingentes de sons que se assemelham. Rimas costumam ser acessórios estéticos, mas não as quero assim, fazem parte do sentido escondido do que quero dizer naquilo que materialmente digo, é forma, movimento, estímulo oportuno à atenção dispersa. Nessas montagens gosto sempre do incomum, das construções estranhas à razão que se diz normal e que pensa como todos pensam, gosto das pedras, dos espinhos, de cores que não combinam, das tradições que se criam transmudando outras, mudando aquilo que sempre se viu.

Tudo isso é trabalho que se faz aos poucos, e toda identidade tem disso um pouco, é novidade malquista quando descoberta num tempo de tantas simetrias e similaridades e comuns e repetidos e costumes dissolvidos em monotonias travestidas de repetições cada vez mais floridas e iluminadas com luzes sempre temporárias.

Eu mantenho meu ritmo, minha obra é minha, não de outro, mesmo que pertença a outro quando sai de minhas mãos e nalgum lugar a deixo publicada. Se nem todos entendem não me importo, por vezes deixar meio-entendidos por aí faz parte de meu propósito, pedras às vezes provocam desvios que no final se revelam oportunos. Amem as pedras. Amém.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Escolhi

Escolhi não ter o direito de reclamar. Escolhi não poder dizer tudo que quero, não dizer tudo que penso, não pedir tudo que desejo, não esperar tudo que espero, espero. Recolhi-me dentro de mim e resolvi calar-me, calar a voz que tanto gritava dentro de mim pedindo favores, pedindo louvores, pedindo consolações, pedindo, pedindo. Escolhi deixar de fazer o que quero, transformar minhas vontades em vítimas e sacrificá-las num único golpe, mas um único golpe não bastou. Ainda resisto, ainda luto, ainda morro, morro.

Há coisas que não tenho o direito de dizer, coisas que não tenho o direito de exigir, mesmo que pareçam ser direito meu, só meu. Escolhi contrariá-las. Escolhi deixar de lado as exigências que meus sentimentos me fazem, as exigências que meu corpo me faz, que minha imaginação me faz. Elas, porém, não me deixam de lado, não me deixam em paz e tentam gritar, tentam de novo me aprisionar. Escolhi não lhes dar ouvidos, nem olhos, nem mãos e pés, nem sentimentos. Escolhi abandoná-las, deixar que vivam à deriva, guardando apenas o espaço onde podem mover-se sem destino certo. Vivem aqui, tentando encontrar saída ou janela, ver o mundo do lado de fora, poder ao menos olhar o que não mais podem ver para me fazerem desejar o que não mais me convém. Eu, porém, escolhi calar-lhes a voz.

Escolhi não ter o direito de reclamar. Escolhi preferir me calar até que o que quero se cale, que minha vontade emudeça, que meus olhos não queiram mais ver, que meus ouvidos já não queiram ouvir e mais nada eu queira tocar, assim serei livre e poderei ver tudo, ouvir tudo sem em nada meus sentidos prender, serei livre, sem infrações.

Escolhi. Talvez já assim seja livre, não sei. Mas não creio que seja, escolho não crer nisto também. Se creio, paro e não mais me movo e de novo me aprisiono. Escolhi ser livre, acreditar-me sempre preso e libertar-me aos poucos. A liberdade não é ainda estado definitivo e nem de todo verdadeiro se ainda vivo e enquanto vivo escolho morrer para que quando vier a morrer a liberdade me seja real, quando a promessa de Cristo enfim me alcançar.

Terei a vida eterna, assim creio, assim espero, seja sempre feita a Santíssima Vontade de meu Criador.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

meu ofício

Como criar uma peça, ou um pequeno texto ou mesmo um poema? É difícil dizer, impossível, talvez, descrever em termos universais um processo tão irregular em suas manifestações e ao mesmo tempo tão regular em cada particular.

Falo por mim, não por outros, escrevo sem determinações prévias, escolho um tema e escrevo o que penso, o que senti, talvez, e o que outros sentiram e ouvi dizer. Junto os retalhos do que me vem à memória e escolho deixar um registro - em papel ou em bits, tanto faz. Prefiro, por vezes, o trabalho artesanal e, talvez, mais artístico de desenhar as letras no papel, cansar a mão e gastar um pouco de tempo, de tinta ou grafite para dizer o que quero. Depois deixo ali, raramente volto os olhos para o que já deixei escrito, são marcas daquele tempo e não deste, o que de bom ficou daquele gesto, para mim, permanece vivo e não demanda regressos. O que está vivo, lá, deixo para os outros que passarem por ali, e espero-rezo que lhes seja de proveito e possa fazer viver algum bom sentimento e desejo dentro deles também. Porém, confesso, às vezes olho o passado e releio os versos que por lá ficaram, ponho de novo pés e mãos naquele cenário e enceno em pensamento o que ficou para trás, toco de novo a vida que ficou esquecida nas tantas coisas que ora ocupam meu tempo e ora me distraem, volto ao essencial da vida, vivo.

Escrevo minha vida assim, deixando rastros que possam servir de guia aos outros que passam pelas mesmas trilhas que eu. Não poderia desejar que meu exemplo fosse mal, por isso espero, e espero sempre, que seja bom, o melhor possível, mas não me ensoberbeço com pretensões vaidosas, apenas espero que minha vida seja boa para outros além de mim.

Escrevo. Espero que alguém leia, só isso, e que o que deixo aqui lhe faça bem ao coração.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Frágil

Natureza frágil me faz
Sou de barro, pó, poeira
E partes de mim se perdem
No vento que passa

Sou pó e volto ao pó
A cada dia que passa
E sopra este vento que
Passa por mim e me leva

Penso em tantos passados
Há dias, meses e anos
E viram então a origem
Do vento que daqui os levou

Uns já encontraram final
Feliz e outros esperam
Felizes são na esperança
De ver findar-se sua dor

Vejo assim a saudade
Mas não sinto vontade
De vê-los de novo, espero
Que se salvem, não mais

Creio amá-los assim
Mais do que se esperasse
Um consolo pra mim
Um reencontro, talvez

Rezo e deixo que Deus
Cuide sozinho de tudo
Que deve ser e não sei
Rezo por eles, por mim

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Tudo pouco

Tenho um pouco tudo comigo
Guardado, escondido, falseado
Por vezes aos olhares que dizem
Elogios importunos, indigestos

Olho e vejo meu pouco tudo
Sei que não é tanto assim, mas
É tudo pouco que tenho e sei
Fazer, não sei, só faço

Faço pouco tudo, talvez, sei
Não é tudo que posso, sei
Um pouco mais preciso dar
E meu pouco será tudo, enfim

Não minto se digo que faço
Meu tudo pouco enquanto faço
Só um pouco do tudo pouco
Que poderia fazer agora

Faço tanto quanto pouco posso
Fazer com o que tenho hoje
E conheço de mim mesmo, vejo
Pouco de tudo que tenho comigo

Deus só vê tudo muito em mim
Mesmo se pouco me parece ser
O que eu vejo, tenho e dou
Meu tudo pouco ao Senhor

Bem pequeno pouco é meu amor
Mas disso a Ele dou tudo pouco
Mas se grande é meu desejo, sei
Deus de mim recebe tudo muito

Meu desejo muito faz que seja
Muito o tudo amor que dou
Mesmo que em verdade seja pouco
O amor tudo que dou de mim

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Contradições

Sempre digo, para mim mesmo, que quero ser livre, mas não me deixo livre de minhas próprias vontades. Parece absurdo dizer que minha vontade me prende e que o que quero torna-me escravo, mas mais absurdo é pensar que fazer-me cativo do instinto, de necessidades que pedem alívio, sempre o mais breve possível, seja ser livre. Desejo, nem sempre o que devo, e por isso por vezes preciso querer o contrário do que imediatamente quero, contrariar meu desejo e fazer o que devo, amar a mim mesmo e saber recusar-me as satisfações que procuro.

Vejo-me sempre cativo de pequenos desejos, de desânimos tão recorrentes, do cansaço que sempre parece pesado demais, das necessidades do corpo que sempre pedem pronto alívio, de minhas vontades, tantas vontades que querem sobreviver, que querem erguer-se sobre a razão querendo convencê-la de que quando satisfeitas me deixariam em paz, mas quando me rendo logo elas voltam, e sempre voltam, maiores, mais urgentes, menos pacíficas, fazendo-me aos poucos dependente de satisfações. Necessidades, descansos, desejos, satisfações, silêncios, segredos, fugas, distrações, trama diabólica que divide meu coração, tantos inimigos que dentro de mim combatem contra Deus, que em silêncio me deixa lutar tentando contrapor o amor que tenho por Ele àqueles tantos inimigos; vejo-me fraco, tão frequentemente caio e enraízo mais profundamente minha dependência deles, aos poucos me perco pensando em querer algum bem contrário ao meu Deus e me deixo por vezes levar por esses desejos que invento tentando encontrar um consolo, enganando-me com as promessas de paz que o alívio me faz.

Quisera ser menos fraco, ao menos um pouco, cair com menos frequência, amar mais o Senhor. Por vezes eu rezo pedindo mais forças, capacidade para não me render em tantos combates, mas nunca recebo qualquer alívio que peça ao Senhor. Motivos para duvidar de meu Deus, porém, eu não tenho, mesmo se tenho fraquezas que sem se cansarem não param de pedir alívio, forças, capacidade. Assim aprendi o que Deus quer de mim. Ele não quer encarnar-se de novo e possuir o meu corpo, calar-me a vontade, fazer-me cativo de um poder mais forte que eu e assim suprimir as fraquezas de meu coração, mas quer que Sua vontade em minha fraqueza seja glorificada, fazendo-me crer que minha humanidade foi na Cruz redimida e não destruída, fazendo-me assim assumir para mim essa mesma vontade, desejando, constante, o bem de meu Deus.

Meu Deus encarnou-se uma vez para sempre e fez-se alimento para comigo ficar. Assim eu O tenho sempre por perto, no meu coração, fazendo viver aqui dentro Sua vontade imutável, invencível, assim tenho sempre constante o desejo de estar com meu Deus. Enquanto meu desejo for maior que o mal, enquanto conservar a graça de Deus em meu coração, permanecerei constante e estável como é o Senhor. Assim fico grato ao meu Deus pela fraqueza que tenho, assim não confio jamais em mim mesmo e a Ele me entrego, sem medo, feliz, sem querer mais alívio ou qualquer consolação. Se sou de meu Deus, não importa ser fraco, importa, sim, tê-Lo sempre comigo.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Memórias

O que já não tenho diante dos olhos, não vejo e não alcança meu desejo, não lhe sinto a ausência e aos poucos disso me esqueço. As lembranças aos poucos escassas se tornam, esvaziando-me delas o pensamento enquanto adormecem num passado que por lá ficou, que deixou marcas que ainda despertam lembranças, mas nada além disso. O que não alcançam meus sentidos, disso já não sinto falta, nem um mínimo desejo que possa mover-me a vontade, fazer-me esboçar qualquer movimento para senti-lo outra vez perto de mim, aos poucos disso me esqueço. Faltas passam, ausências a si mesmas acostumam o coração que não pode mais remediá-las, tornam-se amigas da saudade e se escondem, adormecem, despertam às vezes mas sem muita vida, enfraquecidas, desbotadas.

Vejo se esconderem no tempo aquelas boas memórias que costumavam alentar meu coração com a esperança de revê-las por perto, mas vejo-as longe, distanciando-se aos poucos e pouco, muito pouco sinto daquilo que me faziam sentir. Não tenho mais muitas memórias boas, o bem que tenho sobrevive pouco, dele me esqueço tão logo passa por mim, vivo assim, sem muitos consolos, alegrias somente presentes, nenhuma passada, nenhuma futura. Tenho o que possuo agora, é agora o único tempo que tenho, o único bem que possuo, agora me alegro ou me entristeço, mas disso não guardarei muitas lembranças, não mais, não mais serão lembranças o meu alimento.

O que tenho hoje perto de mim, o que alcança meus sentidos e meus sentimentos? Não saberia descrever se tentasse, mesmo, talvez, se pudesse encontrar alguma palavra ou gesto que pudesse descrever sem muito detalhe o que sinto, impreciso seria em qualquer tentativa que fizesse, em tudo que diria. O que digo já não o sinto, senti, talvez, num tempo passado que por lá ficou, ou, talvez, senti quando vi o que escrevo vivo em alguém perto de mim, sentimentos que chegaram ao meu coração, deixaram seus vestígios e partiram, resolvendo ficar nas palavras que escolho escrever. Trago em minha vida tantas memórias, tantas histórias, poucas minhas, tantas alheias que se tornam minhas, motivos de minhas poucas preces, de minha oração.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Uma pedra

Não vejo o que meus olhos escondem de si mesmos. Olhos cansados, fugitivos, desgastados de eu tanto olhar o tempo, cansados do que viram o dia inteiro e tanto querem esconder-se atrás das pálpebras tão pesadas, tão pequenas frágeis e tão fortes contra mim. Os pensamentos, já tão lentos, devagar se vão deixando descansar e aquelas pálpebras se fechando e escondendo esses meus olhos que não querem mais olhar e ver nenhuma luz, nenhuma sombra ou qualquer pequeno movimento. Sentidos todos já cansados, membros já sem muitas forças para fazer qualquer esforço, mesmo este que ora faço para deixar algum registro do que não poderia de outro jeito acontecer ou ser lembrado. Os pensamentos já tão lentos não se importam se a lembrança do que pensam no presente sobreviverá em algum recanto da memória adormecida pelo tempo, entediada pelo compasso do relógio da sala de minha casa, sentido cansado, desgastado, aborrecido e aprisionado por uns ponteiros que giram presos num mesmo ponto e ali fico, preso também naquele tempo circular, repetindo todo dia esta rotina de abrir os olhos e cansá-los por tanto mantê-los abertos para descansá-los ao final do novo velho dia. O que vejo entre as repetições é o que importa, é o que vejo, e o repetido esqueço, é movimento involuntário, incontrolável, necessário, descanso e desdescanso que se devem repetir circundando os necessários afazeres que não posso e não quero dispensar.

Tanto fiz, tanto vi, tanto ouvi, tanto senti que não senti, não vi, nem sei se também ouvi o que passou por mim, se em algum recanto da memória encontrarei, talvez, num outro dia, alguma coisa do que passou por mim por este dia já passado, já cansado, já é hora de dormir. Adormeço, ou não, tendo presos pensamentos de mim mesmo e do que faço e daquilo ainda por fazer, eu me esqueço de que assim nada disto do que penso se resolve, mas me perco em pensamentos já cansados e os canso ainda mais pensando o que é inútil, inevitavelmente incomodado por tudo que poderia eu ter feito, poderia mas não quis, não pude, poderia, possibilidade que não sobreviveu.

Talvez me chamem louco aqueles que até aqui leram este texto tão estranho, feito de retalhos, de palavras escolhidas quase a esmo, talvez com pouca precisão no juízo de quem olha só pelo lado de fora. Mas, creio que assim o tenha ouvido, alguém disse por aí que quem quisesse comunicar-se com clareza não escreveria poesia. Talvez estas palavras sejam alguma tentativa minha de fazer o mesmo, de colocar no meio do caminho alguma pedra, aqui onde alguém já tinha visto uma. Ponho outra no meio de outras tantas postas por outros antes de mim. Não sou eu que digo isto, di-lo o texto que aqui deixo, prova de que passo por aqui, não eu, o que penso, o que invento, o que escrevo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Vento sopro

Do vento sopro sinto tocar-me o rosto o leve movimento disto que não vejo e vejo-me em paz. Nenhuma parte de mim se move enquanto sopra sobre mim a tranquila calma brisa que alivia do calor e aqui descanso, e ouço o canto, passarinho tão tranquilo que escuto rezar ao longe de onde estou, descanso. Parece faltar-me nada do que ordinariamente quero, e quero pouco, nada além do que ora tenho enquanto nada falta do que preciso, o que Deus me dá. Sobra-me igualmente nada, mesmo vendo ao meu redor tanta gente que tem tudo aquilo que eu em outros tempos desejava, já não invejo aqueles outros, sento-me tranquilo onde estou e vejo aqui passar o tempo para mim e também eles. Para mim já não é o tempo adversário, ao contrário, é meu amigo, feliz acompanhante de meus passos solitários que não esperam quando já não são, rezam, e seja Deus a decidir quando deverão existir uma outra vez.

A vida, morte se parece, mesmo quando festiva, mesmo alegre, sinto-a fugindo, não a posso segurar perto de mim. Assim a sigo aonde vai, sem saber aonde vou levado às vezes por uma vontade de guardar o que não cabe em minhas mãos ou em meu próprio coração. Vejo-a longe, às vezes perto, mas dentro de mim raramente vejo um traço, um rastro deixado pela vida que persigo, sigo sem saber se vivo, vivo, livre, sem mais preocupações. E o que vejo ao meu redor? Vejo quem tanto quis reter dentro de si a própria vida e assim morreu, crendo-se vivo e livre se prendeu, em si mesmo se encerrou, encarcerado pelo medo de não poder evitar o inevitável, morte intolerável mesmo quando ela distante lhe parece.

Olho o céu e me surpreendo. De tanto bem que vejo aqui ainda tão pouco conheço e vejo, vejo tão imenso universo, tantas vidas variadas, novidades que pululam ares e águas e tantos lugares e vejo poucos que se encantam com mistério tão bonito. Vejo Deus que assim age e se revela deixando-se escondido atrás das obras que pintou, e o vejo em mim a abrir-me os olhos e a fazer-me perceber que "é tudo muito bom". Empresto-lhe meus olhos e ganho dele o Seu jeito de olhar e redescubro assim quem sou, quando do vento sopro sinto tocar-me o rosto o leve movimento deste que não vejo e vejo-me em paz.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Escrevo

Escrevo, não para dizer que sinto
Ou descrever o que tenho naquela mesma
Hora em meu pensamento ou em meus
Sentimentos vários imprevisíveis
Que não posso conter no momento
Em que nascem nem posso entender
Enquanto os vejo crescer e espero
Que passem por mim ou que eu passe
Por eles e paro, olho pra trás e vejo
Tento sentir o que senti no que passou
Como se visse um retrato do que ficou
No passado mas não me esqueci e que
Olhando de longe mais vejo de perto
Os detalhes que de perto deixara
Escapar de meus olhos e pensamentos

Escrevo, não para dizer o que sinto
Escrevo para dizer o que senti ou
Talvez o que teria sentido se hoje
Eu pudesse tocar o que toco ao lembrar
A mim mesmo de meus passados sentimentos
Que sinto de novo, novos presentes
Presente que a vida me faz e a letra
Me trás qual presente que o tempo
Deixara esquecido em si mesmo e vejo
Cada vez que os vejo eu mesmo inteiro
Passado e presente presentes no tempo
E vislumbro um começo, futuro incerto
E certamente inteiro como vejo passado
Tanto tempo de ora eu escrevo e sinto
Novo tudo de novo do que ainda sentirei